Apresentamos hoje entrevista com Marco Silva, do Rumo Verde CO, de Porto Alegre, que foi publicada pelo blog português Orientovar, de Joaquim Margarido.
MARCO SILVA: "ACREDITO QUE A ORIENTAÇÃO ME CAIU QUE NEM UMA LUVA"
No passado dia 31 de Julho, Marco Silva apresentava no Auditório da Reitoria da Universidade Federal de Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (Brasil), o seu trabalho de conclusão de curso com a temática voltada para a conceituação, histórico e proposta pedagógica da Orientação para o currículo escolar. É ao encontro deste e outros assuntos que o Orientovar chama hoje mais uma nóvel figura da Orientação no país irmão ao já habitual Espaço Brasil.
Marco Antonio Ferreira da Silva, nasceu em 23 de Maio de 1971, em Valença, a “Cidade da Leitura”, município brasileiro localizado na região Sudeste do Brasil e na região noroeste do estado do Rio de Janeiro. Militar do Exército Brasileiro, o Professor Marco Silva vive actualmente em Porto Alegre, tendo visitado Portugal no ano de 2008, quando aqui se deslocou, juntamente com a família, para participar nas competições do Campeonato Mundial de Orientação de Veteranos – WMOC 2008.
O primeiro contacto com a Orientação ocorreu no ano de 1990, quando prestava Serviço Militar obrigatório no Exército Brasileiro, e nunca mais parou. No ano de 1992 após ser aprovado na tradicional Escola de Sargento das Armas – ESA, passou a compor a equipe de Orientação do Curso de Cavalaria, neste ano não participou de muitas competições, pois o objetivo principal da escola não é a formação de atletas e sim de sargentos. O “boom” de participações em provas de Orientação deu-se na segunda metade da década de 90, quando as competições se intensificaram devido a criação de algumas Federações Estaduais e da Confederação Brasileira de Orientação, na qual se filiou com o número 310.
Incansável!
A partir do ano de 2006 iniciou uma jornada para uma maior habilitação na modalidade e realizou, entre outros, os cursos de Cartógrafo Nível 1, Técnico de Orientação, Introdução à Gestão de Clubes, Traçador de Pecursos, Supervisor de Orientação e Instrutor de Orientação de Precisão. Participou também nos Cursos IOF Foot-O Event Adviser e Clinic Pan-Americano de Orientação. Durante o ano de 2009 ministrou instrução e treino para o seguimento feminino militar da 3ª Região Militar do Exército Brasileiro.
Em 2010 organizou “Caminhadas Orientadas”, nas quais alunos de academias aprenderam noções básicas da Orientação e em 2010 e 2011 ministrou cursos de iniciação à Orientação, devidamente autorizados pela Confederação Brasileira de Orientação, inclusive para uma turma de 18 alunos portadores de surdez. Desde 2007 encontra-se à frente do Clube de Orientação Rumo Verde realizando eventos na cidade de Porto Alegre. Devido ao volume de trabalhos acadêmicos esteve afastado das competições. Atualmente Marco Silva compete na categoria H21A.
Educação, humildade, iniciativa, coragem, gratidão, serenidade
Em 2010 realizou estágio obrigatório para a graduação em Educação Física, onde utilizou a Orientação como ferramenta pedagógica para ensino. No passado dia 31 de Julho, Marco Silva apresentava no Auditório da Reitoria da Universidade Federal de Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (Brasil), o seu trabalho de conclusão de curso com a temática voltada para a conceituação, histórico e proposta pedagógica da Orientação para o currículo escolar [ver Monografia AQUI]
Para além da Orientação, Marco Silva gosta de ler, de correr e é um amante do fisiculturismo. As qualidades humanas que mais admira e sempre se esforça para evoluir em si mesmo são: educação, humildade, iniciativa, coragem, gratidão, serenidade. Já aquelas que acredita serem as propagadoras dos problemas sociais são justamente a falta de educação, a soberba, a falta de iniciativa, a covardia, a ingratidão e a impaciência. É com ele que conversamos hoje.
Sempre gostei de desafios
Orientovar - No início da sua Monografia, é interessante vê-lo agradecer “a sorte de ter conhecido a Orientação há mais de vinte anos atrás”. Começaria precisamente por lhe perguntar se ainda se recorda de quando e como foi esse primeiro contacto com a Orientação? O que é que de tão vivo o prendeu desde logo - e prende, ainda! - a este desporto?
Marco Silva - Sim, recordo-me como se tivesse sido ontem. Foi em 1990, quando eu estava no meu ano de Serviço Militar obrigatório e realizei meu primeiro percurso obtendo o segundo lugar. Eu diria, com certeza, que a boa performance logo de início contribuiu bastante para me apaixonar pela modalidade já que tendemos a gostar daquilo que fazemos bem, mas se tivesse sido apenas isso, muito provavelmente não teria continuado com a Orientação por tantos anos.
Eu desde sempre gostei de corrida - até nisso temos um ponto a favor no nosso desporto -, eu também sempre gostei de desafios que envolvessem a utilização do raciocínio na resolução de problemas contra o tempo - mais um ponto para a Orientação - e por fim, este aspecto eu fui percebendo com o passar dos anos, apesar de gostar e praticar desportos colectivos como o Voleibol, sempre me adaptei melhor a desportos individuais. Então, acredito que a Orientação me caiu que nem uma luva: físico, mente, desafio e adaptação. Além disso, existem vários outros motivos que citei nos agradecimentos do meu trabalho e que são: as viagens, o conhecimento de novas culturas, o trato com novas pessoas, o trabalho com populações especiais, novas amizades e muitos outros.
Na Orientação eu encontrei o que procurava
Orientovar - De que forma é que, ao longo dos anos, foi evoluindo a sua relação com a modalidade?
Marco Silva - Antes de conhecer a Orientação, passei por muitos desportos: Futebol, Atletismo, Voleibol, BTT e outros e depois que conheci a modalidade, eu praticava e ainda hoje pratico outros desportos, mas um factor que sempre me seduziu foi o de realizar actividades diferentes daquelas que geralmente são muito massificadas pela mídia e que assim o são na maioria das vezes por interesses financeiros. E na Orientação eu encontrei o que procurava e ao longo dos anos, com a Orientação evoluindo no Brasil, eu passei a interessar-me cada vez mais pela modalidade.
A partir da segunda metade da década de 2000 comecei a ter maiores oportunidades de aprendizagem na modalidade e a minha relação com a Orientação foi aumentando cada vez mais. Isso acaba por se reflectir nos momentos em que passo um pouco dessa minha experiência para as pessoas, estas vêem a minha paixão e interessam-se mais pela modalidade.
Ainda que possamos ter os mesmos objectivos, praticamente todos tomamos decisões de formas bastante diversas
Orientovar - Achei curiosa a fórmula encontrada para definir a Orientação: “Um jogo de guerra em espaço real”. Este enunciado tem a ver sobretudo com o conceito de estratégia inerente à Orientação ou há outros aspectos que lhe são subjacentes?
Marco Silva - Sim, o conceito de estratégia da Orientação está associado à expressão em destaque encontrada, mas também como é visto no mesmo parágrafo do enunciado, existem outros aspectos sim e o que eu destacaria é o de que o praticante para atingir os seus objectivos e encontrar os pontos de controlo no menor tempo, não tem que seguir um trilho para chegar lá, ele constrói a sua rota, é dono das suas decisões e aprende que estas decisões tem consequências que ditarão o brilhantismo ou não de seu futuro.
Além disso, com o passar do tempo vai se aprendendo – por analogia com a busca dos pontos de controlo – um pouco sobre a complexidade das relações humanas onde, ainda que possamos ter os mesmos objectivos, praticamente todos tomamos decisões de formas bastante diversas. Isto fica claro para nós quando estamos naquelas nossas conversas após a competição de “como e por quais caminhos utilizamos para realizar o nosso percurso” ou visualmente através das opções tomadas que baixamos do GPS sobre o mapa utilizado em softwares especializados.
Associar a Orientação às suas possibilidades pedagógicas
Orientovar - Propor a inserção da Orientação no currículo escolar é, grosso modo, a essência do seu trabalho. Porquê basear a sua Monografia neste tema?
Marco Silva - Muitos foram os motivos que me levaram à escolha deste tema e aqui elenco dois deles: o primeiro foi que desde que tomei conhecimento de que teria de realizar um trabalho para a conclusão de curso de Educação Física, comecei a pensar em escrever algo sobre a Orientação, desporto que adoro desde que o conheci, mas até então achava que meu trabalho teria de ser uma pesquisa sob o foco da fisiologia ou da biomecânica por exemplo. Com o avançar do curso (longos anos) comecei a tomar maior contacto com a prática do ensino através das disciplinas, dos estágios e eventuais aulas da universidade em escolas do ensino fundamental ou na própria universidade. Este facto começou a “despertar-me” para as deficiências do sistema de ensino que eu absorvia apenas de forma teórica nas aulas, deficiências como a limitação do repertório desportivo e educacional ministrado aos alunos no currículo escolar ao que no meio académico costumamos apelidar de “quadribol”, ou seja, aulas de Educação Física apenas com Futebol, Voleibol, Andebol e Basquetebol. Quero deixar bem claro neste ponto, principalmente como profissional de Educação Física, que não tenho nada contra estas modalidades, pelo contrário, eu próprio as pratico e estou certo de que elas têm seus aspectos educacionais também, mas reduzir a Educação Física ao “quadribol” é muito simplista.
Outra deficiência observada por mim in loco e citada no meu trabalho, foi o de que mesmo com o movimento de cultura corporal surgido na década de 80 no Brasil que procura entender o homem como ser cultural e que tem no movimento uma forma de expressão e de aprender, não vingou efectivamente ainda devido ao sucesso do movimento anterior surgido na década de 40 voltado para desportivização da Educação Física que tinha objectivos profissionalizantes e não educacionais. Assim encontrei o segundo motivo para a realização do meu trabalho e comecei a trabalhar no sentido de associar a Orientação às suas possibilidades pedagógicas dentro da linha da educação para propor a sua inclusão como ferramenta no currículo escolar para a promoção da cultura corporal.
A Orientação simula ludicamente o nosso quotidiano
Orientovar - Dos ensinamentos significativos e relevantes para o quotidiano do aluno, percebe-se que dá um valor muito grande àquilo a que chama o “exercício da cidadania”. Neste particular aspecto, o que é que a Orientação tem de tão importante?
Marco Silva - Uma boa parte da resposta está inserida nas respostas das questões anteriores. A Orientação simula ludicamente o nosso quotidiano repleto de problemas a serem resolvidos, desafios a serem enfrentados, objectivos a serem conquistados, decisões a serem tomadas, erros, acertos e outros. Dessa forma, o praticante tem a possibilidade de treinar para a vida real em forma de jogo. O objectivo da minha proposta para a inserção da Orientação no currículo escolar tem os aspectos competitivos como secundários, sendo o aspecto pedagógico o principal.
Do meu ponto de vista o planeamento pedagógico do ensino da Orientação na escola deve observar o dialogismo onde os alunos devem passar por uma construção da aprendizagem sob o foco da cooperação e minimização do factor excludente quando visto “somente pelo foco da competição”. É lógico que o aspecto competitivo não deve ser eliminado do processo pedagógico, principalmente em sistemas capitalistas como o do Brasil, mas levar em conta “somente o aspecto competitivo” é sinónimo de preconceito e discriminação dos menos hábeis e acaba por comprometer o que eu conceituo de “desenvolvimento acertado da cidadania”.
O efeito que se tem a partir destas instituições ainda é um tanto modesto
Orientovar - Um dos aspectos que me prendeu mais a atenção no seu trabalho tem a ver com a relação que estabelece entre a Orientação e a Teoria das Inteligências Múltiplas, de Gardner. Dessas “inteligências”, qual ou quais aquelas que, no seu entender, a Orientação desenvolve particularmente?
Marco Silva - Reafirmo a colocação do parágrafo em que diz que a inteligência intrapessoal é uma das mais desenvolvidas tendo em vista que, ao realizar um percurso de Orientação, o praticante exercita vários aspectos da construção da cidadania conforme citei na resposta anterior como: decisão, coragem, medo, perseverança, erro, acerto e etc. A outra inteligência que acredito ter um grande desenvolvimento é a espacial, na qual o praticante obrigatoriamente tem que construir mentalmente todos os objectos desenhados de forma planificada no mapa, desenvolvendo a capacidade espacial e ampliando a sua imaginação.
Orientovar - Para que a Orientação possa vir a ser efectivada nas aulas de Educação Física são necessários Professores em cujos currículos universitários possa constar a Orientação. Julgo saber que esta capacitação já se faz nalgumas Universidades, nomeadamente em Cascavel, Santa Maria e Rio de Janeiro. Consegue perceber que efeito é que isto vem tendo na prática e que crescimento se assiste no ensino da Orientação às crianças em idade escolar?
Marco Silva - Eu diria que o efeito que se tem a partir destas instituições ainda é um tanto modesto, mas em escala de ascensão bastante acelerada. Na prática os académicos e professores recém-graduados em instituições possuidoras da disciplina Orientação já percebem a importância da grande ferramenta de que se apropriam para auxiliar na formação do cidadão e passam a utilizá-la. Deste modo, contribuem para a luta contra àquela visão desportivista e profissionalizante da Educação Física em favor da visão pedagógica.
Orientação nas Escolas
Orientovar - Entre os cerca de 11.000 atletas federados existentes no Brasil, tem alguma ideia de quantos deles são Professores de Educação Física e se desenvolvem a Orientação junto dos seus alunos?
Marco Silva - Antes de qualquer coisa, cabe aqui ressaltar o desenvolvimento da Orientação no Brasil que ao término de meus trabalhos monográficos – pouco mais de 6 meses – segundo dados da Confederação Brasileira de Orientação – CBO, o número de atletas filiados àquela instituição era de 11.000 atletas, actualmente já são mais de 12.000 segundo a mesma fonte. Após consultar a CBO, foi verificado o número aproximado de 85 professores de Educação Física filiados na Confederação e praticamente todos, de alguma forma, fazem uso da Orientação em suas escolas, pois entram na modalidade por curiosidade e pelo factor inclusivo da mesma e acabam logo percebendo o grande potencial pedagógico e passam a utilizá-la nas suas aulas.
Orientovar - Numa relação que se pretende “de continuidade” entre o Desporto Escolar e o Desporto Federado, de que forma os Clubes e a própria Confederação Brasileira de Orientação também têm uma palavra a dizer na promoção e desenvolvimento da Orientação nas Escolas? Não se justificaria já a existência de Campeonatos Estaduais e Nacionais de Desporto Escolar no Brasil?
Marco Silva - No Brasil, conforme citado no meu trabalho, existe o “Campeonato Brasileiro Estudantil e Universitário de Orientação – CBEUO”, realizado anualmente, existem também os Campeonatos de Orientação dos Colégios Militares que vêm sendo realizados regularmente. A Confederação Brasileira de Orientação – CBO, através da sua “Política Nacional para o Desenvolvimento do Desporto Orientação – PNDO”, busca pela aplicação de seu “Projecto Escola Natureza”, incentivar e apoiar a inserção da Orientação nos currículos escolares em todos os níveis aos moldes que já ocorreram e ocorrem em várias instituições descritas no trabalho. Por sua vez, uma grande parte dos Clubes possui uma percentagem superior a 50% dos seus associados de alunos das escolas regulares e quando, por exemplo, ocorre uma competição municipal, como foi a última etapa do Campeonato Municipal de Porto Alegre – CAMOPA, organizado pelo “Rumo Verde Clube de Orientação”, uma grande parte dos participantes, senão a maioria, são estudantes.
Ferramenta pedagógica para o desenvolvimento do ser humano
Orientovar - O que espera da sua proposta em termos de resultados práticos? Quais os grandes entraves que se colocam a um projecto desta natureza?
Marco Silva - A minha proposta, fruto do meu trabalho e objectivo, é uma pequena parcela na produção de resultados, mas indispensável quando conjugada com outros projectos – que é objectivo e desejo de todos nós, disseminadores e amantes da Educação e da Orientação – e podem trazer grandes resultados não só do ponto de vista da conquista da inclusão da modalidade nos currículos escolares, mas do objectivo maior que é justamente a utilização da Orientação como ferramenta pedagógica para o desenvolvimento do ser humano.
Como grandes entraves para a efectivação da Orientação nos currículos escolares temos, por um lado, aquele aspecto já citado anteriormente sobre o movimento surgido no Brasil na década de 40 que dava prioridade à desportivização da Educação Física com objectivos profissionalizantes e que ainda sobrevive até hoje, impedindo a destituição do ensino tradicional, monológico e favorecendo a aplicação somente de desportos que “tenham algum futuro por serem amplamente divulgados pela mídia e que por consequência produzem retorno financeiro” (objectivos profissionais e de mercado), dessa forma preterindo o aspecto pedagógico. Por outro lado, temos uma “fila” imensa de desportos com os seus projectos pedagógicos, propondo suas inclusões nos currículos escolares. Cabendo assim para nós, promotores da Orientação uma construção sólida de projectos que realmente demonstrem e efectivem o grande potencial pedagógico desta modalidade.
Trazendo ao gancho a nossa modalidade
Orientovar - De que forma pretende o Professor Marco Silva fomentar a modalidade na sua Escola?
Marco Silva - Trabalho na construção de projectos a médio e longo prazo para a efectivação da Orientação no currículo escolar. Actualmente sou militar e como quase a totalidade das escolas de ensino fundamental e médio são diurnos, a minha acção efectiva como professor fica inviabilizada. Desta maneira, como me faltam alguns poucos anos para permanecer no Exército, estou-me preparando para uma especialização e um mestrado na área da Educação, mas sempre trazendo ao gancho a nossa modalidade que sem sombra de dúvida é uma excelente ferramenta, dessa forma preparando-me cada vez mais para o fomento dessa inclusão.
Actualmente também, estando à frente do Rumo Verde Clube de Orientação, sempre que as oportunidades o permitem - e volta e meia um colega solicita ajuda para ministrar a modalidade nalguma instituição -, aproveito para mostrar o potencial pedagógico interdisciplinar e transversal da Orientação, factores objectivados pelos nossos “Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN” que são referências de qualidade para o ensino fundamental e médio do Brasil e elaboradas pelo Governo Federal.
[Fotos gentilmente cedidas por Marco Silva]
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