Os atletas suecos Lena Eliasson e David Andersson participaram do Campeonato Sul Americano de Orientação, ocorrido em Santana do Livramento em dezembro e publicaram em seu blog suas impressões acerca do desenvolvimento do esporte no Brasil.
O texto é importante, pois nos traz a opinião de atletas que estão entre os melhores do mundo, seus elogios e críticas que ajudam a melhorar a organização de nossas competições.
Joaquim Margarido, do Blog Orientovar fez a tradução e comentários ao texto, que nos permitimos publicar no Brazil O-Life.
LENA ELIASSON E DAVID ANDERSSON: "NÓS, ATLETAS DE ELITE, SOMOS EMBAIXADORES DA ORIENTAÇÃO"
Para quem vive num pequeno país como a Suécia, uma viajem ao Brasil e a visita a essa gigantesca metrópole chamada Rio de Janeiro pode constituir uma enorme aventura. Que o digam Lena Eliasson e David Andersson, atletas de topo da Orientação mundial e estrelas maiores do último Campeonato Sul-Americano de Orientação. Este é o início dum percurso interior, ao encontro duma realidade com as suas próprias especificidades, num exercício de partilha a todos os títulos louvável e que tem na Orientação brasileira um destinatário concreto.
“Evidentemente, interrogávamo-nos como seria possível praticar Orientação numa cidade desmesuradamente grande como é o caso do Rio de Janeiro.” É com estas palavras que Lena Eliasson e David Andersson dão o pontapé de saída numa série de reflexões que devem ser entendidas, acima de tudo, como uma visão construtiva da realidade da Orientação brasileira no momento presente. Com efeito esta interrogação constituiu uma das razões que levaram o casal a rumar ao Brasil, sobretudo pelo interesse em perceber a evolução que o nosso desporto está a ter no mundo inteiro. Lena e David vão, inclusive, mais longe: “Nós, atletas de elite, somos embaixadores da Orientação e é importante tomar conhecimento daquilo que está a acontecer nas múltiplas vertentes da modalidade, até para estarmos preparados para tomar uma posição abalizada sobre uma série de questões que se levantam actualmente, nomeadamente no tocante às alterações propostas pela Federação Internacional de Orientação relativas ao programa dos futuros Campeonatos do Mundo e outras.”
A estadia dos atletas prolongou-se por duas semanas e teve em Ronaldo André Castelo dos Santos de Almeida e na sua esposa, Thaiane Cavalcanti Couto, anfitriões “duma amabilidade e duma hospitalidade inexcedíveis”. Para tentar perceber como é “ser orientista no Brasil” e ver o quão interessante pode ser o quotidiano de outros clubes, Lena Eliasson e David Andersson tiveram de guardar as devidas distâncias relativamente àquilo que é a sua própria realidade. Paralelamente ao contacto que foram tendo com o quotidiano dos brasileiros, os dois atletas tiveram também a possibilidade de conhecer um pouco mais de perto a vida duma unidade naval e dum clube de Orientação brasileiro, o Elite CO.
O grande avanço da Orientação nesta região do globo tem a ver com a excelente qualidade dos mapas
Depois de terem participado nalguns treinos e também no Campeonato Sul-Americano de Orientação, em Santana do Livramento, Lena Eliasson e David Andersson são peremptórios: “O grande avanço da Orientação nesta região do globo tem a ver com a excelente qualidade dos mapas, desenhados de acordo com os princípios a que estamos habituados na Europa. E dizemos isto porque os atletas que usualmente utilizam este tipo de mapas estarão preparados para correr na Europa em competições ao mais alto nível.” E acrescentam: “As normas-padrão (ISOM/ISSOM) são respeitadas escrupulosamente e isto acaba por ser igualmente importante na selecção dos terrenos que podem ou não ser interessantes para a produção de bons mapas.”
Para conseguirem captar a atenção da elite internacional e terem mais atletas europeus nas suas competições, Lena Eliasson e David Andersson consideram ser de primordial importância “que os brasileiros sejam capazes de garantir que os mapas e os terrenos possuam qualidade e que as provas sejam justas.” E concretizam: “Um atleta de topo internacional viaja imenso ao longo do ano e, por conseguinte, é importante que ele sinta que as suas expectativas não sairão defraudadas. Certamente é óptimo enfrentar novos desafios, tomar contacto com terrenos diferentes, mas a velocidade com que se completa uma prova é fundamental. Este facto é particularmente importante para aqueles que se estão a iniciar na modalidade e, com mais áreas “brancas” no mapa, teremos certamente mais gente interessada em conhecer e iniciar-se na modalidade.” Mais ainda, se os brasileiros estão realmente interessados em atrair atletas para competir neste País, devem, no entender dos jovens atletas suecos, “ser capazes de mostrar fotos atrativas e excertos de mapas das áreas onde se desenrolarão as provas, especialmente no caso de atletas mais idosos”. Eis uma excelente dica a pensar já nos Campeonatos do Mundo de Veteranos de Orientação Pedestre WMOC 2014.
Melhor os homens que as mulheres
Outra constatação importante prende-se com as performances dos próprios atletas. Assim, o casal é de opinião que “se os atletas brasileiros (e sul-americanos) pretendem progredir e competir ao melhor nível, precisam de ser capazes de manter um elevado ritmo de corrida durante as provas. Na Europa conseguimos ter competições com uma velocidade média de 5-7 km/h e aquilo que pudemos observar não tem nada a ver com isto, sobretudo na maioria das áreas verdes cartografadas.” Evidentemente, muito do treino de velocidade pode ser feito fora da floresta, mas para se ser capaz de ler um mapa a uma grande velocidade é necessário praticar também Orientação a grande velocidade. Daí que a conclusão que retiram é a de que “no actual estado de coisas, provavelmente apenas na vertente de Sprint os atletas brasileiros conseguem este tipo de desempenho.”
Paralelamente, Lena Eliasson e David Andersson não regateiam elogios aos atletas que puderam observar: “A qualidade dos melhores orientistas brasileiros é realmente boa no tipo de terrenos que pudemos ver aqui no Brasil. E é melhor nos homens que nas mulheres! Se a Elite mundial competisse aqui, os orientistas brasileiros alcançariam provavelmente resultados ainda melhores (top 10, pelo menos).” Mas há um senão: “É difícil conseguir os mesmos resultados na Europa sem uma boa prática e de forma regular. Uma vez mais, o padrão dos mapas e a qualidade dos cartógrafos são aspectos importantes, sendo fundamental estar atento no momento de escolher quais as melhores áreas para cartografar.”
Trabalho de excelência
“Tendo em conta a enorme juventude da Orientação brasileira, é verdadeiramente impressionante ver a excelência do trabalho que está a ser feito.” Esta afirmação de satisfação é complementada com a constatação dum facto: “Durante as competições, vê-se realmente que toda a gente se sente satisfeita por ser orientista e as longas horas de viagem percorridas para que possam estar ali é disso a prova provada!” Reconhecendo que “a Confederação Brasileira de Orientação e também os militares e os clubes se encontram apostados em atrair orientistas europeus para campos de treinos e provas no Brasil”, Lena Eliasson e David Andersson não deixam de vincar que um dos aspectos que devem ser particularmente cuidados prende-se com as informações nas páginas dos eventos e de como chegar, nomeadamente através da proposta de planos de viagem. “Desta forma, as pessoas irão sentir que é mais fácil conseguirem desenhar os seus próprios programas para poderem estar presentes”, concluem.
Se os materiais de base e os procedimentos relativos às partidas e chegadas funcionam na perfeição, já a questão das “informações prévias e a divulgação atempada de listas de partida” parecem ser aspectos a melhorar. Lena Eliasson e David Andersson apreciaram igualmente as excelentes Arenas, mas deixam um reparo relativamente ao facto de existirem pontos de controlo na própria Arena e pessoas a cruzarem-se em todos os sentidos. Na sua opinião, mesmo não sendo este um problema maior, “um dos princípios básicos prende-se com a necessidade de não revelar pontos de controlo ou parte dos trajectos aos atletas antes da sua partida. Isto tem a ver com questões de justiça e, em especial nas provas de Sprint, é bom que haja áreas muito bem definidas para o aquecimento, garantindo que essas mesmas áreas se situam fora do mapa das provas.” E rematam: “É muito bonito termos pontos de controlo nas proximidades das Arenas, podermos assistir à passagem dos atletas a partir do chamado ponto de espectadores, mas esses pontos devem estar nas áreas limite das Arenas e não no seu interior.”
Com um bom mapa é sempre possível de alguma forma dificultar as coisas
Passando a uma análise daquilo que foram as provas do Campeonato Sul-Americano de Orientação 2011 – onde Lena Eliasson fez o pleno de vitórias -, a actual nº 6 do ranking mundial considera ter sido “um bom exercício para mim, um excelente teste às minhas rotinas e uma bela pausa com uma Orientação técnica no meu período de Inverno!” Quanto às primeiras observações, vão para o Sprint. Assim, na montagem duma prova deste género, os dois atletas são de opinião que “deve ter-se em linha de conta a velocidade da prova acima de tudo e não a ideia de andar a esconder os pontos.” Fala quem sabe: “Com um bom mapa é sempre possível de alguma forma dificultar as coisas e o traçador de percursos deve também variar a distância das pernadas e possibilitar pelo menos uma pernada longa (600-700 metros) com boas opções. Para tornar as coisas ainda mais difíceis, pode criar-se um ponto de troca de mapas – isto faz com que o atleta não tenha hipóteses de saber como irá ser a parte final do percurso antes da troca de mapas.” E concluem com a ideia de que “não é necessário que isto seja feito no interior da Arena, pode ser feito em qualquer ponto de controlo ao longo do percurso.”
No caso concreto da prova de Sprint do Campeonato Sul-Americano de Orientação 2011, Lena Eliasson e David Andersson sustentam que “a zona escolhida era excelente para este tipo de provas, mas deveria ter-se evitado marcar pontos de controlo nas zonas “verdes” e procurar pontos com mais opções.” Mas acrescentam que “houve muitos pontos de controlo marcados de forma visível, o que foi óptimo. Como foi óptimo que o mapa estivesse à altura e de acordo com as normas.”
Pernadas longas e 'loops' de dispersão
Também as provas de Distância Média deverão ter, igualmente, pelo menos uma pernada mais longa e com várias opções. Para as duas estrelas do Sul-Americano, “é muito bom que a distância das pernadas possa ir variando ao longo de toda a prova, fazendo com que o atleta não consiga adivinhar o que vem a seguir, uma vez que toda a concentração está colocada na própria pernada e apenas numa de cada vez.” Também é importante fazer com que o tempo do vencedor se situe entre os 35 e os 40 minutos graças a um adequado traçado do percurso: “Se a prova for desenhada numa área de progressão lenta, a distância da prova deverá ser menor. Se tivermos em conta a utilização de “loops” ou de mais do que um ponto de controlo em cada percurso, é bom que isso sirva para dispersar os atletas, mas de tal forma que, no final, todos tenham cumprido os mesmos pontos. Se um atleta segue na companhia de outro, devem ter diferentes “loops” numa ordem diferente, de tal forma que ambos tenham de fazer a sua própria prova durante a maior parte do percurso.” Para os dois atletas, “isto é ainda mais importante tratando-se de provas de Distância Longa”.
No que respeita às provas de Estafeta, o casal sueco reafirma a importância de se “considerar a possibilidade dum percurso mais curto para um dos membros da equipa, no pressuposto de que assim será possível haver mais equipas a alinhar na partida.” E acrescentam: “Talvez isto não faça muito sentido nos escalões D21 ou H21, mas é importante ser levado em conta nos escalões mais jovens ou naqueles com atletas mais idosos.”
A importância de saber falar inglês
Quase a concluir o extenso rol de preciosas impressões, Lena Eliasson e David Andersson reafirmam a ideia de que se sentiram imensamente felizes pelo convite que o Elite CO lhes dirigiu e entenderam esta como uma viagem particularmente interessante e produtiva para ambos. “Esperemos que este interesse se possa repetir no futuro e possamos regressar”, acrescentam. Porém, mais do que isso, o casal deseja “que os responsáveis pela Orientação no Brasil sejam capazes de enviar os seus melhores atletas às grandes provas de cariz internacional que têm lugar na Europa.”
A terminar, ainda uma ideia que encerra, em si mesma, uma dica importante: “Como não falamos português, reconhecemos que a questão da língua é da maior importância e, por isso, deixamos o conselho aos orientistas que viajem até à Europa, no sentido de aprenderem inglês. Se conseguirem comunicar em inglês, terão grandes hipóteses de encontrar clubes que os acolham e assim conseguirão mais facilmente desenvolver as suas aptidões.”
Pode ler o documento original (versão inglesa) em http://orientovar.blogspot.com/2012/01/lena-eliasson-and-david-andersson.html.
[Foto extraída da página pessoal de Lena Eliasson e David Andersson, em http://www.andersson-eliasson.com/andersson-eliasson.com/Välkommen.html]
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